Digitar uma mensagem de texto enquanto conduz um veículo à 80 km/h equivale a dirigir com os olhos vendados por um percurso de até 100 metros. Esta é uma das conclusões da diretriz “Riscos do uso do telefone celular na condução de veículos automotores”, lançado neste mês pela Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet). O documento, inédito no Brasil, traz um panorama atualizado sobre a chamada Falha de Atenção ao Conduzir (FAC), qualificação técnica para o desvio da atenção do motorista que, entre outros fatores, inclui o uso do telefone.
Atualmente o Brasil acumula uma frota superior a 100 milhões de veículos e mais de 238,5 milhões de aparelhos de telefone celular ativos. “Os graves riscos da combinação desses dois equipamentos ganharam relevância para as ações de preservação da vida no trânsito e acenderam um sinal de alerta na Abramet”, destaca Flavio Emir Adura, diretor científico da Abramet, responsável por liderar o grupo de especialistas que estudou o assunto.
“Celular e direção não combinam de jeito nenhum e esses sinistros podem, e devem, ser evitados. É preciso maior conscientização do condutor sobre isso, ter clareza de que ao usar o telefone enquanto dirige está colocando sua vida e dos demais usuários do trânsito em alto risco”, acrescenta. De acordo com o estudo, digitar uma mensagem de texto enquanto dirige desvia a atenção do motorista por um percurso das dimensões de um campo de futebol oficial.
“O ato de digitar uma mensagem de texto, faz com que o veículo seja conduzido por diversos metros sem o olhar atento do condutor que chega a ficar, em média, 4,5 segundos sem prestar atenção na via e, dependendo da velocidade, poderá percorrer até 100 metros absolutamente desatento, tempo e distâncias suficientes para atropelar pedestres, ciclistas e colidir com outros veículos”, pontuam os especialistas.
Preparada com o objetivo de avaliar os riscos da condução veicular falando ou escrevendo ao celular e para propor medidas que reduzam os sinistros de trânsito provocados pela utilização simultânea desses dispositivos, a diretriz destinada ao médico do tráfego compila dados e conclusões de estudos nacionais e internacionais que interessam a toda a comunidade médica, ao poder público e à sociedade em geral.
EVIDÊNCIAS – “Estamos focados na produção científica, para atualizar procedimentos e fortalecer as ferramentas à disposição do médico especialista, bem como no compromisso de buscar evidências científicas que possam servir de base para o ordenamento legal brasileiro”, comenta Antonio Meira Júnior, presidente da Abramet.
Pesquisas mapeadas na diretriz da entidade indicam que cerca de um terço dos motoristas dirigem distraídos, interagindo com os outros ocupantes do veículo, conversando no telefone celular ou enviando mensagens de texto, entre outros fatores de desatenção. “O telefone celular é o responsável por quase 50% das atividades que resultam em Falha de Atenção ao Conduzir”, quantifica a diretriz.
Os especialistas citam, como exemplo, pesquisa que investigou cerca de 34,4 mil sinistros de trânsito fatais nos Estados Unidos e concluiu que 444 envolveram falhas de atenção devida à conversação ou manuseio de telefones celulares. “As principais faixas etárias que se distraem ao volante usando o telefone celular são 20-29 anos (35%), 30-39 anos (22%) e 40-49 anos (15%). As mulheres, em comparação com os homens, ao dirigirem distraídas são mais propensas a se envolver em sinistros de trânsito”, descrevem.
O uso do celular ao volante provoca ainda distúrbios operacionais, com impacto sobre a mobilidade e o campo visual do motorista, assim como psicológicos e cognitivos com impacto significativo sobre a condução veicular. “Motoristas, distraídos pelas conversas telefônicas reagem de forma insegura, reduzem a velocidade inesperadamente, têm dificuldade em manter o posicionamento na via, com tempo de reação para frenagem aumentado”, exemplificam os médicos do tráfego.
Eles explicam, ainda, que uma conversa no telefone celular mantém atividade mental direcionada à chamada mesmo após o término da ligação, permanecendo o risco de sinistro de trânsito em média de três segundos após o envio de uma mensagem de texto. “Se o veículo estiver em velocidade média de 100km/h, percorrerá mais de 90 metros sob o efeito pós chamada”, acrescenta.
RECOMENDAÇÕES – A diretriz preparada pela Abramet sinaliza medidas a serem adotadas pelos médicos, autoridades e sociedade geral para reverter esse cenário e estimular uma nova conduta por parte dos motoristas e motociclistas. Entre elas está a adoção de iniciativas educacionais combinadas com medidas de conscientização, pois resultam em declínio do número de motoristas que enviam mensagens de texto.
Além disso, propõem medidas de incentivo à criação de novos aplicativos e configurações do smartphone, como “Modo Driver”, semelhante à “Modo Avião”, tentando restringir o uso do telefone celular enquanto o veículo está em movimento. Também orientam os condutores a bloquearem o uso do celular ao dirigir, medida simples e eficaz na redução da frequência de ligação e envio de mensagens.
De acordo com a diretriz, não há nada que se possa fazer para diminuir o efeito perturbador que uma simples conversa telefônica exerce sobre os efeitos perceptivos do motorista. Por isso, afirmam que, nem mesmo os sistemas integrados de comunicação como viva-voz, bluetooth, microfones e alto-falantes, embora possibilitem aos motoristas manter as duas mãos no volante, não são substancialmente mais seguros, “uma vez que uso do celular na direção traz substancial risco ao desempenho seguro do condutor, independente do modo da sua utilização”.