O número de Carteiras Nacionais de Habilitação (CNHs) emitidas e que constam a exigência do uso de lentes de contato ou óculos, por exemplo, aumentou 44%, entre 2014 e 2020. Atualmente, o grupo que necessita de restrições na CNH representa quase um terço da população habilitada no Brasil: são 20,7 milhões de motoristas e motociclistas.
Os dados inéditos, divulgados pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), corroboram avaliação da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet) sobre o impacto das condições de saúde do condutor sobre os sinistros de trânsito no País. “Esse é um alerta de grande relevância e que devemos observar ao aplicarmos o Exame de Aptidão Físico e Mental (EAFM)”, avalia Flávio Adura, diretor científico da Abramet.
Na avaliação do vice-presidente do CBO, Cristiano Caixeta Umbelino, o aumento dos índices de pessoas com problemas visuais no trânsito está relacionado à conjunção de alguns fatores, principalmente ao envelhecimento da população brasileira e a maior facilidade de acesso ao atendimento oftalmológico.
“É um contexto amplo. A expectativa de vida aumentou consideravelmente nas últimas décadas. Nesse sentido, é natural que o envelhecimento dos olhos seja acompanhado do surgimento de problemas de vista. Há ainda outras causas externas, como a popularização das mídias digitais. Hoje, a sociedade está imersa em novos hábitos, que sobrecarregam a visão, como a exposição diária dos olhos e por longos períodos a telas”, pondera.
Distúrbios visuais – O levantamento aponta quais tipos de anotações aparecem com maior frequência na CNH dos motoristas brasileiros. Na primeira colocação está a necessidade do uso de lentes corretivas (restrição de código A), com mais de 20 milhões de condutores que não podem dirigir ou pilotar se não estiverem fazendo uso de óculos ou lentes de contato.
Em segundo lugar, com mais de 332 mil casos, constam as restrições associadas à visão monocular (código Z), hoje excluída da Resolução do Contran que trata das restrições médicas. Em terceiro lugar, com aproximadamente 102 mil casos, estão os motoristas impedidos de dirigir após o pôr-do-sol (código U).
A inclusão dessas anotações na CNH é feita pelo médico do tráfego, ao final da avaliação prévia exigida para a concessão ou renovação da CNH. No exame, o especialista analisa as condições do candidato de conduzir um veículo sem oferecer perigo para outros motoristas, passageiros e pedestres.
São analisadas a acuidade visual, o campo de visão, a capacidade do candidato de enxergar à noite e reagir prontamente – com resposta rápida e segura ao ofuscamento provocado pelos faróis dos demais veículos; e a capacidade de reconhecer as luzes e sua posição dos semáforos.
Ao identificar a existência ou sintoma de deficiência de visão, o médico do tráfego orienta a busca por uma avaliação especializada, de um médico oftalmologista, para que seja feito o diagnóstico e prescrição do tratamento. “No resultado do exame, o médico do tráfego poderá considerar o candidato apto, apto com restrições ou inapto”, completa Adura.
Segundo números oficiais da Polícia Rodoviária Federal (PRF), o comprometimento da saúde visual foi responsável por 1.659 sinistros de trânsito em rodovias federais, em apenas três anos (2016-2019). Conforme avaliam os especialistas da área, se levado em conta sinistros verificados em pistas, ruas e avenidas dos centros urbanos, certamente o número seria ainda maior.
Outras restrições – Além das restrições relacionadas à saúde visual, existem ainda outras restrições passíveis de anotação na CNH. A resolução 425/2012 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), que dispõe sobre a realização do exame de aptidão física e mental para condutores e candidatos a condutores e veículos automotores, prevê a indicação de eventual restrição médica do motorista e a solução indicada para a direção segura, incluídas adaptações dos veículos para serem conduzidos por pessoas com deficiência.
Considerando-se as restrições obrigatórias para a condução de veículos adaptados por pessoas com deficiência, a de maior frequência, com mais de 492 mil casos, é a que obriga os motoristas a dirigir veículos com transmissão automática (código D). Em seguida aparecem as anotações de obrigatoriedade do uso de veículo com direção hidráulica (código F): são 408 mil casos em todo o País.
Em 2018, a ABRAMET publicou diretriz específica para a avaliação clínica desses candidatos, estabelecendo os procedimentos a serem observados pelo médico do tráfego durante a realização do Exame de Aptidão Física e Mental. O protocolo apresenta critérios para qualificar o exame, indicando os passos da avaliação clínica inicial e os casos que devem ser apreciados por junta médica e durante a prova prática de direção. Para cada alternativa, a entidade sinaliza os procedimentos a serem adotados pelo médico especialista.
A diretriz também apresenta um conjunto de casos especiais, apontando doenças e outros distúrbios que possam impactar a capacidade de dirigir como a presença de próteses, tumores cerebrais, distrofias etc.